As novas aparelhagens supersônicas que fazem Belém vibrar
Conheça
alguns dos caras que fazem e tocam as máquinas de som do Pará.
Em agências de
turismo, Belém do Pará se vende como "o Portal da Amazônia",
muito embora seja uma capital urbanizada com o maior IDH da região
norte duelando com a maior proporção de favelas por
habitantes, segundo levantamentos do IBGE. Foi numa dessas quebradas,
e não na floresta, que existe a oficina do Valdinei Veiga, o Grande
do Som, um repositório de bizarras espécies mecatrônicas do
mundo das aparelhagens — uma cultura sonora que gira dinheiro e
tecnologia por lá.
"Um morcego!
Tinha até asa!", foi o que me disse o Valdinei quando perguntei
a ele sobre sua criação mais maluca. Modéstia disfarçada. Naquele
dia, ele coordenava a construção de um helicóptero. Trem de pouso,
asa rotatória de fibra de carbono, rotor traseiro emprestado de
um cooler, porta retirada de um Corsa no desmanche, cabine de madeira
compensada, revestimento de aço inox e sub-asas com metralhadora
rotatória cujo poder de fogo servia apenas de artifício
pirotécnico.
Valdinei Veiga, o
homem que constrói coisas como um helicóptero.
Um sistema
hidráulico ainda seria instalado no bicho, permitindo que ele
virasse alguns graus à esquerda e à direita. Ele só não voaria,
um detalhe menor para quem tinha feito o estranho pedido. "Aqui
em Belém nós temos fusca, Kombi, carroça, búfalo, águia, índio,
só não tinha essa novidade: o helicóptero!", me disse o
orgulhoso Francisco da Gemaique. Ele é dono da F-Som, uma das
aparelhagens cujas paredes de som com milhares de watts de potência,
canhões de luz e painéis de LED comandam festas gigantescas em todo
o estado.
Na seção
eletrônica, a maquinária do Francisco humilha o Comanche do filme
Águia de Fogo – a inspiração do paraense. O equipamento tem um
sistema para dois notebooks, uma controladora e uma mesa de áudio de
estúdio com controle de iluminação, 32 caixas de som de
frequências graves, 32 caixas de som de frequências médias e 16
placas de LED. Essa parte toda ainda seria instalada na
oficina do Grande depois de vir da China e passar por São Paulo. Só
o helicóptero custa R$ 20 mil. "E é uma aparelhagem no porte
médio", arrematou Valdinei.
Segundo ele, pra começar no ramo com um sistema de pequeno porte você precisa gastar uns R$ 200 mil, o que acabou com meu sonho de montar meu próprio Megazord sônico. Valdenir ainda disse que as maiores aparelhagens, como a Superpop e a Búfalo do Marajó, tem valor estimado em R$ 1,5 milhão. E de onde vem o dinheiro? Da venda de cerveja e ingresso das festas. "Tem festa todos os dias, só não tem na terça. Aí tem manutenção, que faço aqui também", contou o Valdinei.
O som
reverbera
Em 2013, a lei
estadual 7.708/13 declarou o ritmo essencial das aparelhagens, o
tecnomelody, um patrimônio cultural e artístico do Pará. Oficinas
como a do Grande do Som confirmam, no nível do chão, a
importância do som para a cultura paraense. Seus tentáculos
sócio-econômicos já chegam a outros estados, como Amapá, onde há
turnês das equipes de Belém, e Maranhão, onde o logo do Grande do
Som deve aparecer nas radiolas regueiras até o fim do ano. E agora
os carros também querem ser aparelhagens.
Fabrizio Soares
toca a G-Sound, especializada em som automotivo. Desde que o homem
descobriu que poderia enfiar um alto-falante no lugar destinado a uma
mala de 40 kg, o homem faz isso. Em Belém, contudo, o esquema tem um
sabor da terra na capacidade do som, nas luzes de circuitos de LED e
nas pinturas extravagantes das caixas. "Aqui a gente faz tudo:
marcenaria, pintura, instalação. E a gente vai tomar uma cervejinha
no dia da inauguração do carro!", contou o Fabrizio.
Essas caixas de
som ocupam totalmente o porta-malas de um carro
Enquanto a gente
conversava, ele me mostrava o carro do Márcio Sena. São duas caixas
de 2,5 mil watts, cada uma funcionando com baterias independentes do
motor do carro. O cara gastou cerca de R$ 15 mil para ter seu sistema
de som ambulante. "Já gostei muito de ir pra aparelhagem, mas
hoje em dia eu tenho a minha no meu carro", falou ele, tão
orgulhoso quanto o Francisco da F-Som.
A caranga toda
ganha mais cara de festa quando ligada a outras. Um controle no banco
de trás do carro permite que todas as frequências sejam controladas
separadamente, um sistema que pode funcionar em paralelo com outros
carros. O Fabrizio explicou: "Você distribui o som pra quantos
carros você quiser. Dá até 10, 15 carros. E tem via rádio também,
a forma mais nova."
Alô, potência
Quando entrei no carro particular que me levou de volta ao centro da cidade, fiquei envergonhado
por não ter tanta potência sonora sobre as quatro rodas. A sensação
só aumentou quando descobri que até alguns postes de Belém são
melhores que meu carro. Perto do mercado do Ver-o-peso funciona a
rádio cipó do Pedro Vilhena, uma das difusoras comunitárias que
conectam várias caixas de som a uma central – daí o nome.
"Eu era
garoto ainda quando vim pra cá. O antigo dono foi embora pra
Fortaleza e negociou a rádio comigo. Isso faz quase 30 anos",
me contou o seu Pedro. Ele me disse de peito inflado que foi um dos
primeiros a revelar o Chimbinha, guitarrista do Calipso, e mostrou
uma foto para provar o feito. No dia a dia, ele recebe cantores e
músicos que batem à sua porta atrás de uma oportunidade. "Eu
sou um cara de boa audição. Escuto e falo: vai vender! Ou então:
quem é esse cara? Não vende nem pra mãe dele!"
Seu Pedro jura que trabalha sob os mandos da lei, inclusive paga contas ao ECAD. Embora o tempo da rádio seja ocupado com músicas – de tecnomelody a Mc Kevinho – e anúncios de serviço público, ele dedica um espaço à publicidade para conseguir uma grana. Empresas do comércio popular compram faixas de sua programação para que suas propagandas toquem pelas quase 50 caixas de som de uma das mais movimentadas regiões de Belém.
Nas esquinas do
Ver-o-peso a confusão sonora é imensa. No ar ressoa a conversa de
ambulantes e possíveis clientes, motoristas brigando com motoqueiros
por centímetros de chão e vendedores de porta de loja atraindo
cliente. Mas ali e, por que não em toda Belém, tudo parece andar no
ritmo das aparelhagens. Seja na batida clássica e acelerada do
tecnomelody da noite passada ou mesmo na levada cadenciada do brega
de anos saudosos, as máquinas sônicas da capital assumem o toque de
caixa da cidade.
Por: Túlio Monteiro
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